domingo, 3 de fevereiro de 2008

AJ

AJ, como é conhecida uma californiana de 41 anos, lembra-se de quase todos os dias da sua vida a partir dos seus 11 anos de idade. Ela afirma que a sua memória "passa como um filme: ininterrupta e incontrolável" e recorda-se de pormenores como o que aconteceu no episódio da série Murphy Brown de 12 de Dezembro de 1988. Afirma lembrar-se que em 28 de Março de 1992 almoçou com seu pai no hotel Beverly Hills. Recorda-se dos acontecimentos mundiais, factos pessoais, clima e das suas emoções. O que distingue esta californiana de outros casos de memória excepcional é a sua capacidade para reter na mente detalhes autobiográficos. São vários os casos de memória extraordinária para números e factos, mas o caso de AJ é invulgar, levando a que fosse alvo de estudos por parte de neurologistas da Universidade da Califórnia em Irvine e à criação de um novo termo médico: síndrome hipertimésica.

AJ refere que era ainda muito jovem quando"comecei a pensar no ano anterior (…) mas de repente percebi que estava a lembra-me da data exacta e precisamente do que estava a fazer naquele dia, um ano antes." De início AJ não deu muita importância a este facto, contudo algumas semanas depois deparou-se com uma situação idêntica quando, brincando com uma amiga, se lembrou que as duas também haviam passado o dia juntas precisamente um ano antes. Citando AJ, "cada ano tem uma sensação definida, e cada época do ano também. A primavera de 1981 traz-me uma sensação totalmente diferente da do Inverno de 1981". Para AJ, apenas mencionar uma data já desencadeia reminiscências involuntárias: "Sabe quando alguém sente um cheiro e começa a lembrar-se de coisas do passado? Comigo é dez vezes mais profundo e mais intenso que isso."

Para complementar as lembranças suas mente, AJ também colecciona memórias externas, como um minucioso diário escrito desde a infância, uma colecção de quase mil filmes com programas de televisão, gravações de rádio e uma autêntica "biblioteca" composta por 50 cadernos com factos relacionados com a sua memória referidos na Internet. Para AJ, preservar o seu passado é uma verdadeira compulsão. Ela conta que "enquanto seco o cabelo de manhã, penso em que dia estou e, para passar o tempo, revejo mentalmente os factos desse dia do mês ao longo de 20…".

Numa pesquisa realizada com AJ pela Universidade da Califórnia, foram investigados vários parâmetros da sua vida na tentativa de encontrar uma explicação para esta capacidade mnésica. Quanto à sua história familiar, AJ nasceu duma gravidez normal e vivia no seio de uma família judia protectora. Tem ascendência húngara e russa por parte do pai e alemã e romena pela parte da mãe. Apresenta antecedentes familiares de depressão e ansiedade e várias pessoas na sua família apresentam boa memória, apesar de nenhuma se comparar a ela. A sua primeira memória foi de estar no berço com cerca de 20 meses, assustada porque fora acordada pelo cão do tio. Sempre teve boa memória, notando uma diferença quando a sua família mudou para a costa oeste. Aí começou a organizar as suas memórias, fazendo listas de amigos, vendo fotos, pensando muito no passado e escrevendo um diário desde os 10 anos muito detalhado. Nunca gostou muito de frequentar a escola e o seu rendimento escolar nunca foi notável. Esteve desempregada por escolha própria e o seu sonho sempre foi casar e ter uma família. O seu historial clínico e psicológico, refere-se um abuso em medicamentos para a enxaqueca até aos 37anos, problemas de ouvidos e garganta sendo submetida a várias intervenções cirúrgicas e um acidente de viação aos 16 e intervenções decorrentes. Tomou Prozac para controlar a ansiedade e teve acompanhamento psiquiátrico. Apresentava várias fobias. No decorrer desta investigação mostrou-se cooperante e respondeu a todas as questões sem hesitação ou dúvidas. Quando questionada acerca de alguma coisa que não sabia, respondia que não sabia devido a não ter valorizado esse acontecimento. Mostrava-se desagradada quando lhe eram colocadas questões às quais não sabia responder e quando era submetida a testes. Constatou-se que AJ relaciona bem factos com datas, desde que estes sejam do seu interesse. Tem um calendário mental e quando lhe é pedido pata relatar um dia, vai buscar um acontecimento desse dia que depois relaciona com os restantes. Apesar de tudo, a sua memória tem algumas fraquezas, nomeadamente em recordar-se de coisas que foram ditas, apresentando uma memória muito selectiva e mesmo vulgar em alguns aspectos. No que diz respeito a testes neuropsicológicos, AJ apresenta um QI é normal e poderá ter distúrbios ao nível do desenvolvimento neurológico. Apresenta uma forma superior de memória autobiográfica, e uma obsessão pelo passado.

Na análise do professor de Psicologia da Universidade do Estado da Florida, Anders Ericsson, a memória de AJ não será assim tão diferente do normal. Após a publicação deste caso na revista Neurocase, Ericsson veio afirmar que o que precisa ser explicado sobre AJ é a sua obsessão pelo passado e não uma memória excepcional. Para Ericsson, todos temos memória boa para alguma coisa; é comum lembrarmo-nos de factos que são importantes para nós. AJ interessa-se tanto com a conservação do passado, que o feito de memorizar a própria vida é bastante viável.

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